Psicomotricidade, Distúrbios e Dificuldades de Aprendizagem
Quando se pensa nas Dificuldades de Aprendizagem, ou como chamam os profissionais da Saúde: “Distúrbios de Aprendizagem”, sob a perspectiva da Psicomotricidade, o nosso pensamento, invariavelmente e quase que automaticamente procura “linkar” (estabelecer um “link”, uma ligação, uma “ponte” ou nexo) entre o processo de ensino-aprendizagem com o movimento corporal.
Até aí tudo bem, nada de mais e nada mais lógico, mas uma questão importante aqui, que deve ser levantada é a seguinte:
“Por quais ‘lentes’ estes links estão sendo buscados?”, ou então, “Por quais ‘lentes’ estamos vendo e buscando estes links?”, ou então, “Por qual paradigma estamos observando este fenômeno?”
É justamente neste ponto que se arma uma armadilha intelectual, pois não devemos desprezar a avaliação ou interpretação que faremos a partir deste ou daquele ponto de vista (ou paradigma), desta ou daquela “lente“, pois dependendo da imagem ou conceito que se formará, é que as devidas intervenções serão desenvolvidas e colocadas em prática.
É a partir das hipóteses que aqui serão levantadas e das conclusões a que se chegar, quem sabe fortemente e rigidamente estabelecidas, que alimentarão as ações dos dia-a-dia na relação professor-aluno / ensino-aprendizagem.
Por exemplo, se partirmos das lentes do paradigma mecanicista, que é uma percepção de que o mundo é composto por partes separadas, então veremos o movimento corporal ligado somente, ou no mínimo com mais ênfase, ao corpo físico ou biológico do Ser Humano.
A radicalidade, ao paradigma mecanicista, do observador afetará a sua lente. Quanto mais fiel ao paradigma mecanicista, mais verá as “partes” como separadas!
Pode ser que o observador esteja a meio caminho em direção ao paradigma sistêmico, vendo então as ‘partes’ como interconectadas e interligadas, uma influenciando a outra, mas ainda está no meio de um processo de desenvolvimento de suas lentes.
Este pensador mais radical pensará mais ou menos assim:
“Se a aprendizagem é um processo cognitivo, ou seja, que se realiza na mente das pessoas, então o corpo não tem nada a ver com a aprendizagem”;
e ainda mais,
“assim, se o corpo não tem nada a ver com a aprendizagem, esse corpo em movimento também não tem nada a ver com a aprendizagem”;
e ainda pode tirar algumas conclusões como,
“ora, se o corpo não tem nada a ver com a aprendizagem, para que eu possa ensinar alguma coisa ao meu aluno, então não é necessário o movimento corporal, na verdade é bom mesmo que ele fique bem parado, prestando atenção com sua mente no que eu estou falando!”
Note que esse pensamento faz todo o sentido e não ofende a lógica, mas isso não significa que está completo, que não possa ser ampliado ou desenvolvido, ou então, que se aproxime mais de como as coisas realmente são.
Podemos avançar mais. Aliás faz parte do processo do observador, independente da lente que esteja usando, a ampliação da visão, portanto, um processo perfeitamente sadio, normal e esperado.
O que podemos concluir até aqui é que o pensamento mecanicista tem a sua lógica, mas também, suas limitações.
Uma mesma coisa, um mesmo tema ou uma mesma situação, com visões diferentes, terão interpretações diferentes e consequentes reações e ações diferentes.
Podemos dizer que, com uma visão mais abrangente e profunda, podemos melhor interpretar as coisas e, consequentemente, agir de maneira mais consciente e sábia.
PSICOMOTRICIDADE E DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Podemos exemplificar uma maneira intermediária de se pensar, de como avaliar as coisas através de uma lente intermediária, quando falamos em Psicomotricidade.
O próprio nome “psicomotricidade”, em vez de “psico e motricidade”, é uma maneira de expressar uma coisa só, um sistema só, uma totalidade que compõe em si: mente-corpo, psique-corpo, psique-movimento-corporal, psico-motricidade-humana, ou seja, psico-motricidade, ou melhor, psicomotricidade.
Aqui as sutilezas do pensamento vão se expressando em palavras que, sutilmente denunciam as lentes que o observador está usando.
Por exemplo:
Uma coisa é dizer que o corpo e a psique são partes integrantes do indivíduo. Outra coisa é dizer que a totalidade do indivíduo se expressa através da psique-corpo.
No primeiro jeito de falar, partimos do princípio que o todo é a soma das partes, portanto, partimos das partes separadas para tentar entender ou “montar” o Todo.
Poderíamos chamar este tipo de pensamento de “Indução”.
Do segundo jeito partimos da perspectiva do Todo ou “Sistema” para ver suas sub-totalidades ou “sub-sistemas” como porções do Todo, ou como preferimos dizer, como expressões da Totalidade Indivíduo.
Poderíamos chamar este tipo de pensamento de “Dedução”.
Resultando do primeiro pensamento temos as partes separadas na Educação, como separadas por disciplinas, classes, séries e uma divisão muito interessante a ser estudada, para os interessados em Educação e Psicomotricidade, entre os “Professores e Professoras de ‘sala de aula’” e os “Professores e Professoras de Educação Física” ou os “Professores e Professoras de ‘fora da sala de aula’”:
Os primeiros tratariam da mente e os segundos tratariam do corpo.
Resultando do processo em andamento do segundo pensamento temos a Transdisciplinaridade, que é uma palavra que significa, em termos de percepção e forma de pensar – “transcender as disciplinas”, ou seja, para além das disciplinas.
É uma maneira ainda meio sem jeito, que tenta mostrar a visão por Sistemas, mas ainda partindo das partes, que tenta juntá-las para formar o Todo.
Poderíamos dizer que essa palavra “Transdisciplinaridade” não define o conceito de Totalidade com a devida exatidão, mas define muito bem um caminho que devemos seguir, ou seja, um caminho que transcenda as disciplinas, que transcenda as partes separadas!
PSICOMOTRICIDADE E SUAS PARTES
Ainda nos esforçando para desenvolver uma visão Sistêmica, Ecológica, Complexa ou Holística (hólons = Todo), ou ainda, “Transdisciplinar” da Psicomotricidade, invariavelmente caímos na armadilha do pensamento mecanicista, “armadilha” armada por centenas de anos de pensamento mecanicista, ou seja, uma cultura muito inculcada em nossas mentes, quando olhamos para a psicomotricidade como ela fosse uma soma de suas partes.
Êpa!, mas de que partes estamos falando?
Da parte do Esquema Corporal, da Imagem Corporal, da Consciência corporal, da Lateralidade, da Percepção e Orientação espaço-temporal, da coordenação global-parcial, óculo-manual, viso-motora, grossa-fina, equilíbrio, etc…
Ficou tão culturalmente consolidado os pressupostos citados, como pressupostos da Psicomotricidade, que quando o pensador mecanicista menciona a palavra Psicomotricidade, é natural que automaticamente se faça os links com as partes citadas acima.
É um pensamento mecanicista + associação de palavras.
Consequentemente a isso, quando se fala em Psicomotricidade e Dificuldades de Aprendizagem, logo o pensamento mecanicista faz sua associação, concluindo que, se há dificuldades de aprendizagem, é porque há alguma falha nas partes ou Pressupostos da Psicomotricidade.
Em outras palavras, quando se olha para as Dificuldades de Aprendizagem sob a perspectiva da Psicomotricidade, logo se conclui que, se há tal dificuldade é porque há algum problema em suas partes, ou ainda, a causa está em alguma de suas partes.
É evidente que, se os pressupostos citados da psicomotricidade forem vistos sob uma óptica ou lentes “Sistêmicas”, eles mostrarão sua importância e valor, mas irão ser levados em conta a partir de um contexto Sistêmico ou de Totalidade, e não como uma causa isolada ou parte separada.
Na visão mecanicista: uma causa gera um efeito.
Na visão sistêmica: um contexto formado por infinitas causas, gera um contexto composto por infinitos efeitos.
E ainda devemos lembrar que esse processo é muito dinâmico, como dinâmica é a vida, portanto está a todo momento mudando, se transformando, se desenvolvendo, portanto:
Este novo contexto composto por infinitos efeitos, passa a ser um novo contexto de infinitas causas que vão gerar um novo contexto de efeitos e, assim por diante!
CONCLUINDO
Caso seja visto como uma parte separada, pode-se cair na armadilha mecanicista de se tentar consertar a peça quebrada para devolver o perfeito funcionamento da máquina.
A ideia de que o universo e o corpo humano são uma máquina é que deu origem ao termo “Mecanicista”, de máquina, e a consequente conclusão de que, se o corpo-máquina não está funcionando bem, está doente por exemplo, é porque uma peça ou peças não estão funcionando direito. Consertando-se as peças então, devolve-se o perfeito funcionamento, ou saúde, ao corpo.
Dizendo de outra maneira, um “psicomotricista” com pensamento mecanicista poderia pensar e concluir assim:
“essa dificuldade de aprendizagem só existe por causa de um ‘esquema corporal’ mal elaborado, então devemos trabalhar o ‘esquema corporal’ para reparar a causa”.
Pode ser que este trabalho do “psicomotricista mecanicista” gere bons resultados, mesmo porque, a relação dele com o seu aluno, na prática não será mecanicista. Nos relacionamos de maneira sistêmica, pensando ou não desta maneira.
O “psicomotricista mecanicista” pode testemunhar que o seu aluno fez progressos e pensar que a sua avaliação foi correta e reforçar a sua crença, mas no nosso caso hipotético, pode ser que:
O que fez realmente toda a diferença foi COMO o “psicomotricista” conduziu suas intervenções, e não exatamente o “conserto do esquema corporal”.
Mas se esse mesmo “psicomotricista” desenvolver uma visão sistêmica poderá ver as coisas com mais abrangência e profundidade, melhorando sua performance, e este mesmo aluno, agora com este “psicomotricista sistêmico”, se desenvolva bem mais.
Ufa!!! Já vamos CONCLUIR!!!
As Dificuldades de Aprendizagem devem ser percebidas e avaliadas então, de preferência, numa visão Sistêmica, que amplia e dá mais profundidade à Visão Mecanicista, mostrando que cada Indivíduo é um Universo Complexo Vivo numa relação constante e dinâmica com o Mundo Externo e com o seu próprio Mundo Interno, e que essas complexas relações, quando desarmônicas, podem se manifestar como Dificuldades de Aprendizagem.
A importância desta visão reside no fato de que, é justamente, a partir desta ou daquela visão, que as intervenções vão ser justificadas e aplicadas na prática, podendo ser a diferença entre o sucesso ou não da intervenção, e ainda, nas piores das hipóteses, podem ser a diferença em “não contribuir com alguma melhora” e “contribuir com alguma piora” do nosso aluno com Dificuldades de Aprendizagem.
A Psicomotricidade como estratégia de intervenção tem no movimento corporal sua principal estratégia de intervenção, mas não a única.
Todos os aspectos da relação interpessoal estão envolvidos na relação Professor-Aluno / Ensino-Aprendizagem e, contextualizam a oportunidade única do Professor, da Professora, em contribuir com o Desenvolvimento Integral de seu Aluno!!!