Transdisciplinaridade, o que é?

Pra começar, vamos fazer um exercício de imaginação? Imagine um oceano, um enorme oceano. Um oceano tão grande que não conseguimos enxergar os seus limites. Por mais que nos desloquemos por esse oceano, numa velocidade muito grande e por muito tempo, nunca chegamos ao seu fim, simplesmente, porque não existe fim. Imagine a quantidade de água que há nesse oceano!!! Neste oceano não existe outra coisa senão água. Não existe uma água e outra água, mas só água. 

Muito bem, agora vou te pedir para imaginar uma coisa mais difícil, mas como só estamos imaginando, nada pode ser tão difícil, não é mesmo?

Imagine então, que não existe nada fora desse oceano, isto é, não existe uma superfície desse oceano o que implicaria que existiria algo além dessa superfície. Não existe, também, um solo no fundo, o que também implicaria que existiria algo além desse limiar. Simplesmente o oceano é tudo o que existe. O oceano é o Todo.

Se pudéssemos caminhar nesse oceano e em cada ponto desta caminhada perguntássemos ao oceano, quem é você? Ele sempre responderia, “Sou o oceano”. Se perguntássemos: Existe alguma coisa fora de você? “Não”, diria ele, “Sou tudo o que existe”. Você é composto de quantas partes? “Não sou dividido em partes, não sou fragmentado, sou uma única substância, sou uma Unidade”.

Pois bem, esta é a visão de Totalidade. Não existe separação alguma em tudo o que existe. Só existe a Totalidade, a Unidade. Para esta percepção também são dados outros nomes, como paradigma ou Visão: Sistêmica (de Sistema); Complexa, Ecológica, Orgânica ou Holística, onde Holus significa Totalidade, Inteiro.

A EDUCAÇÃO QUERENDO AMPLIAR SUA VISÃO DAS PARTES SEPARADAS

Também foi dado o nome na Educação, tentando expressar essa mesma visão, de “Transdisciplinaridade”. Vamos ver porque falamos que a Educação “tentou expressar essa visão sistêmica” e do porque deste nome, mas antes disso vamos voltar ao nosso mundo imaginário.

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Vamos imaginar que de repente, no “interior” desse oceano, pois não existe o exterior, lembra-se? Misteriosamente algumas gotas d’água ficaram coloridas, cada uma de uma cor. Vamos imaginar que essas gotinhas d’água, agora coloridas, começaram a se observar e começaram a se enxergar diferentes umas das outras. “Eu sou azul e você é vermelha…” Quando elas começaram a pensar assim, elas ficaram tão maravilhadas com essa descoberta, que se esqueceram e não mais conseguiam enxergar que todas elas eram água. Que todas elas faziam parte do oceano e que estavam mais do que mergulhadas num mesmo oceano sem divisões, mas que eram elas mesmas, as gotinhas, o próprio oceano. Agora elas começaram a perceber e se sentirem separadas do oceano e das outras gotinhas! Vejam bem, elas nunca se separaram de verdade, mas somente em um dado momento, começaram a se sentir separadas!

Esta é uma visão de Separação. Existe uma percepção de separação entre: eu (ego) e você, eu e os outros, eu e as coisas, eu e os animais, eu e a natureza. Existe uma percepção de separação entre a minha mente e o meu corpo, entre o meu interior e o exterior. Existe uma percepção de separação entre eu e a Totalidade.

Para esta percepção também foram dados outros nomes, como paradigma ou Visão: Mecanicista (feito uma máquina composta por peças), cartesiana, reducionista, atomista ou dualidade, só para citar algumas.

VISÃO MECANICISTA OU DAS PARTES NA EDUCAÇÃO

Esta visão implicou na Educação, na separação do conhecimento em partes, em disciplinas, além de outras conseqüências, como o processo de aprendizagem que se transformou em etapas, estágios ou em séries, onde se constrói o conhecimento, colando tijolo por tijolo, com fundamentos e bases teóricas. Todos esses termos importados da construção civil denotam esta percepção de mundo em partes separadas. Assim, foi com esta percepção que se construiu uma Educação, com professores, alunos, disciplinas, sistemas e redes de ensino, pessoas, coisas, processos, todos formadas por partes separadas e isoladas, onde uma parte não interfere na outra, cabendo a cada um “fazer a sua parte”.

Assim a disciplina tornou-se uma área de conhecimento isolada em si mesma, não tendo nenhuma relação com as outras disciplinas, e também, acabou por não ter nenhuma relação com o aluno. Assim, cabe ao aluno de Geografia, por exemplo, não entender e se conscientizar da relação entre Geografia e História, e a Física, e a Matemática, e a Linguagem, e o Movimento Corporal, com os seus Pensamentos, Sentimentos e com o seu Dia a dia, mas ao aluno de Geografia lhe cabe apenas saber os nomes de rios e montanhas décor, pois esses conteúdos é que são avaliados em prova.

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Mas voltando ao nosso mundo mágico da imaginação, depois de muito tempo, as gotinhas coloridas começaram a ficar cansadas das experiências que a visão de separação lhes concedia, então começaram a perceber e a se lembrarem, que na verdade, todas elas eram água, que faziam parte de um Todo Água, o Oceano.

Elas começaram a perceber que elas mesmas não eram separadas em corpo e mente, em interior e exterior,  etc… pois na verdade Tudo é água. Nossa, que descoberta maravilhosa!!! A sensação de separação começou a desaparecer e grande parte das gotinhas começaram a perceber que, embora elas preservassem a individualidade, elas também faziam “parte” do Todo, mais do que isso, elas e o Todo são Um.

Super animadas com as novas descobertas começaram a contar para as outras gotinhas sobre suas descobertas, mas nem todas as gotinhas entenderam e nem mesmo aceitaram as novidades. Chateadas mas conformadas, as gotinhas despertas começaram a fazer algumas mudanças a fim de comunicar sobre as boas novas, bem mais devagar que a euforia inicial desejaria.

A EDUCAÇÃO RUMO À TOTALIDADE

Na Educação se fez muita confusão, pois a percepção de totalidade não pode ser construída a partir das partes. Não é possível ter uma percepção de Totalidade “colando-se” as partes da percepção mecanicista. São percepções diferentes, onde a percepção de Totalidade amplia e engloba a percepção das partes, mas não é possível se ter uma percepção de Totalidade a partir da perspectiva das partes.

Por exemplo, na visão mecanicista, uma parte mais uma parte é igual a duas partes. Na visão sistêmica, um sistema mais um sistema é igual a um, ou seja, um outro e único sistema que engloba os dois sistemas anteriores.

Para se elevar o ponto de vista para onde se possa ter uma visão mais ampla, é necessário sair do foco limitado e restrito das partes e “olhar” mais “de cima”.

Enxergando-se mais de cima, pode-se ver lá embaixo as antigas partes como sub-sistemas, todos se comunicando, interagindo, interconectados, cada um influenciando os outros, até pelos mais sutis pensamentos e emoções.

Com essa visão de cima, agora sim dá para entender a relação entre os subsistemas (as antigas partes). Os subsistemas deixam de serem vistos como partes para serem vistos como células vivas de um organismo vivo maior. Quanto mais alto se vai, mais claramente se vê que, como na nossa imaginação, “Tudo é água”.

Começando o despertar para essa nova visão de cima, para essa percepção de totalidade, a Educação percebeu que as disciplinas não poderiam ficar isoladas, pois não faz o menor sentido agora. Assim, meio sem jeito ainda, foi-se tentando aplicar na prática esta percepção de Totalidade, e a Educação começou a colar as partes.

Assim a Educação começou a colar as disciplinas de diversas maneiras, buscando pontos em comum entre uma disciplina e outra disciplina, entre uma disciplina e outras e, entre todas as disciplinas entre si, fazendo algumas pontes, algumas conexões, tentando com isso chegar a Totalidade. Assim apareceu a multidisciplinaridade, a pluridisciplinaridade e a Interdisciplinaridade.

Todas estas tentativas visavam aplicar na prática a visão de Totalidade, mas ainda a partir da perspectiva das partes. 

Como notou-se que não se estava atingindo os objetivos desejados, então se teve a ideia de ligar todas as disciplinas ao mesmo tempo e todas entre si, com a intenção de, quem sabe assim, conseguiríamos este intento!

Mas, mais uma vez tentou-se alcançar a Totalidade ligando-se as partes, desta vez colando todas as partes umas nas outras.

Isso não funciona porque a lógica deste processo não funciona assim. Isso foi descoberto também por outra Ciência, irmã da Educação, a Física. A Física constatou que a Física Clássica (representante da visão das partes) não pode evoluir para a Física Moderna (representante da visão holística), a não ser que quebre grandes paradigmas e ultrapasse os conceitos tradicionais e transcenda para conceitos mais modernos. Assim a Física de Newton deu um salto elegante para a Física Moderna ou Física Quântica.

TRANSDISCIPLINARIDADE

Da mesma maneira a Educação tentou mais uma vez dar um salto para a percepção de Totalidade, visando ultrapassar a cultura das partes que está fortemente inculcada nas mentes das pessoas, visando transcender ou ultrapassar os limites desse paradigma ou cultura mecanicista das partes, visando transcender a cultura das disciplinas, criando a Transdisciplinaridade!

Notem que o próprio nome “Transdisciplinaridade” sugere que ultrapassemos ou transcendamos a visão das partes ou das disciplinas separadas, mas ainda, por mais bem-intencionada que possa ser, ainda parte das disciplinas para tentar transcender e criar uma visão de cima. Ainda parte das partes para depois transcendê-las.

Quando olhamos de cima, numa visão mais alta possível, veremos que a Educação é um Todo integrado com outras subtotalidades, um sistema com seus sub-sistemas, perfazendo Todos ou Sistemas Maiores e assim vai infinitamente.

A partir desta visão então, é que podemos ter uma compreensão mais clara de mundo e, conseqüentemente, poder criar sistemas de ensino mais coerentes e eficazes de acordo com essa nova visão!

Mas voltando ao nosso mundo mágico das gotinhas coloridas, aquelas gotinhas coloridas que conseguiram ampliar a sua percepção de que todas são Um com a Unidade ou Totalidade: “O Oceano”, agora conseguem criar formas de relacionamento e organização sociais que sejam coerentes e mais eficazes em cumprir sua missão, que é o de despertar as outras gotinhas para a maravilhosa experiência em se viver de maneira integrada, feliz e realizada junto a TOTALIDADE.

lino

 Prof. Lino Azevedo Júnior